Nunca aconteceu comigo
Eu n?o nasci numa cidade sem ruas, sem luz el?trica, sem g?s pra cozinhar Quando tem alguma coisa pra se cozinhar
Onde eu nasci temos geladeiras cheias e ?gua quente pra tomar banho
Nunca aconteceu comigo de ter que escolher se trabalhar ou estudar
N?o corri o risco de virar um avi?o pra entregar a branca
Eu nem nunca a vi a branca Eu
Nunca aconteceu comigo de ter que cantar com voz mais alta pra n?o ouvir os tiroteios
At? agora s? cantei de felicidade n?o pra cobrir os horrores
Nenhum dos meus familiares foi morto
e n?o vivo me perguntando se amanh? ainda vou estar vivo
Eu n?o vivo na vergonha de uma situa??o de que n?o se sabe como sair
Se tem uma sa?da

Nunca aconteceu comigo
Mas foi s? um acaso
Um acaso que me salvou do caos

Nunca aconteceu comigo,
mas aconteceu com um outro
Ele vive com o bra?o esticado e s? no melhor dos casos a m?o dele ? aberta pedindo esmola
Geralmente ela ? bem fechada agarrada a um rev?lver, como se fosse a ?nica esperan?a, a ?nica possibilidade, a alternativa de uma democraticamente tr?gica op??o: ou voc? aponta ou ? apontado
Nunca aconteceu comigo, mas agora olho e descubro
Descubro algo que ? dif?cil de se olhar porque saber ? in?til,
n?o tem jeito de mudar as coisas
? o que dizem
Talvez seja verdade N?o se muda o sistema
Mas algumas vidas resolvem se salvar
Algu?m sai disso
Algu?m resolve que vai inventar um caminho que n?o existe
Nunca aconteceu comigo de ter que inventar um caminho

Nunca aconteceu comigo
Mas foi s? um acaso
Um acaso que me salvou do caos
Por isso pensamos , refletimos, apoiamos, admiramos, conhecemos grupos de recupera??o social que cada dia evitam que isso aconte?a comigo, contigo, com ela, com ele